quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Protesto (de Alma Welt)



Sejamos livres, francos e sinceros:
A vida está malfeita, é o que digo...
Morrer é um festival de desesperos
E vivemos sob um sórdido perigo.


Projetamos os deuses imortais
Somente por serem nossa imagem
Mas nos nossos termos ideais,
O que não é simples bobagem,

Mas do nosso antigo vão protesto
Contra a mortalidade é uma prova,
Pois o fim estraga todo o resto.

Ser pasto de vermes é um assombro
Que Deus jogou no nosso ombro
Com a tal perspectiva de uma cova...

Pacto (de Alma Welt)


Para viver, um pacto selamos
Com a Morte que vive a nos seguir
Aonde quer que porventura vamos,
Desde o nascedouro até o porvir,

Que este na verdade presumimos
Pois não sabemos da Moira a natureza,
Se é bela depois que a assumimos
Como as amadas revelam sua beleza...

Mas a julgar pelo seu vale das sombras
Com as nossas carcaças alvadias
A clamar sob a terra e suas alfombras,

Com seus dentes cerrados mas em riso
E as órbitas atônitas, vazias,
Creio que vamos ficar no prejuízo...

sexta-feira, 18 de maio de 2012

O Eterno Cavaleiro (de Alma Welt)

                                        O Eterno Cavaleiro - litografia de Guilherme de Faria 1977, 75x100cm

O Eterno Cavaleiro (de Alma Welt)

Sobre milhões de carcaças semeadas
Em plena pradaria, ao horizonte,
Cavalga o cavaleiro das ossadas
Com a foice que seca toda fonte

Da vida, da alegria e dos planos
Do humano em sua ingenuidade,
Que vive, luta e sofre desenganos
Sem perder do sonho a veleidade...

Que imensa hecatombe desde então
Quando o homem pisou fora do Jardim
Pela sua inconformada compulsão!

Quando afinal irá a terra se fartar
Do banho morno sobre os leitos de marfim,
Deixando o próprio Cavaleiro descansar?

A Cavalgada (de Alma Welt)

A Cavalgada - desenho de Guilherme de Faria, 1962  

 A Cavalgada (de Alma Welt)

Aqui, de noite começa a cavalgada,
A vejo, silhuetas contra a lua,
Grotesco cavaleiro, bruxa nua,
Feiticeiras e demônios da calada...

“Como podes, Alma, com isso conviver,
Tu, que o lado escuro abominas,
Se a tua alma arriscas só de ver
Essas sombras que emergem das ravinas?”

Minha alma é pura, nada temo
E a luz, Senhor, eu a amo, bem sabeis,
Negócios jamais tenho com o Demo.

Mas curiosa e temerária me fizestes
E posso me orgulhar perante os reis,
Que a força dos humildes já me destes...

sábado, 28 de abril de 2012

Carregando um burro morto (de Alma Welt)















Carregando um burro morto - gravura (água-forte) de Guilherme de Faria, 1962 


Carregando um burro morto (de Alma Welt)
Eu via uma pobre alma penada
Arrastando a carcaça de um burro
Em plena noite negra numa estrada
E então lhe perguntava num sussurro:


“O que farás agora com estes restos,

Que aos homens todos abomina
Não só pelo macabro e os insetos
Mas pela insuportável fedentina?”
E ouvi aquela sombra torturada
Responder em tom grave e absorto
Que aí me pôs a alma amedrontada:


“Não sabes que a cada um que é vivo
Caberá carregar seu burro morto?
E ai de quem do Fiscal burlar o crivo!”

Quiromancia (de Alma Welt)














Quiromancia - gravura (água-forte)
 de Guilherme de Faria 1962

Quiromancia (de Alma Welt)

“Eu vejo a tua morte” disse a ave
Observando a palma do guerreiro
Conquanto houvesse um certo entrave
Na escassez de carne nele inteiro.

“Assim retornarás à tua morada,
Onde estão tua mãe, teu pai e irmãos
A prantear teus restos, tua ossada
Toda de armadura exceto as mãos.”

“Tu que acalentavas um futuro
Farás agora façanhas obscuras
Que certamente te deixarão mais puro,”

“Pois aos homens cabe nova temporada
Muito mais longa em suas ossaturas
Tão brancas e risonhas como o Nada...”