quinta-feira, 26 de abril de 2018

Novo encontro (de Alma Welt)

Defrontei, de novo, a Inexorável,
Não em sonho, em vigília, cara a cara.
Como sempre, ela sinistra, voz afável,
Melíflua, mas que o coração dispara...

Perguntou pelos meus sonhos e conquistas
E até pela família (agradeci)...
Devo dizer, balbuciando falsas pistas,
Com medo pelos meus então me vi...

"Senhora, estamos bem, muito obrigada,
Não precisáveis pois se incomodar,
Sei que sempre sois muito ocupada..."

Ela sorriu, fez aceno com a mão seca,
Deu as costas mas a ouço murmurar:
"Alma, essa candura nunca perca..."

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26/04/2018

domingo, 13 de agosto de 2017

Passeando com Lady Bones (de Alma Welt)

Consulto um pouco a Morte a cada dia,
Já que só ela sabe o meu futuro,
E por isso ando em sua companhia,
Na calçada ao longo do seu muro.

Amigos me alertam contra a Moura
Dizendo: "Alma, esqueça essa amizade!
Não confie, pois a pílula ela doura,
Enquanto o coração ela te invade. "

E o passante comum fica espantado
Ao ver de braço dado uma donzela
Com um ser tão magro e articulado.


Lady Bones, nome de aristocracia,
Há certa honra, pois, em andar com ela
Que com a Vida disputa a minha poesia...

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13/08/2017

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

O circo em chamas (de Alma Welt)

A coisa está ficando feia e séria,
Agora é que a porca torce o rabo.
Chegamos na barriga da miséria,
Plantamos nosso derradeiro nabo.

Agora é hora da onça beber água
Como dizia a minha avó e repetia;
Ferradura é o beabá da frágua
Pregá-la, não malhá-la quando fria...

Agora está tudo perdido! diz Medea...
Então vamos botar fogo, já, no circo
Antes que o palhaço tenha a ideia.

Se num gemido rompem-se a travas,
Pelo menos evitamos pagar mico
Com nossas belas últimas palavras...

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03/08/2017

domingo, 18 de dezembro de 2016

As cabeças rolam (de Alma Welt)

A Vida, como a Morte, é um mistério...
Nada sabemos, mesmo, do que importa.
Esperamos não acabar no cemitério,
Ou que a tampa do caixão seja uma porta.

Tentamos cumprir leis e seguir regras.
Alguns nem tentam, não conseguem.
Se fores dócil, paciente, tu te integras,
Ai daqueles que as razões suas não medem!

Cortesões num palácio já em escombros
Mas numa eterna intriga palaciana
Para ficar com a cabeça sobre os ombros,

Uma a uma, pobres, nobres ou valetes,
Vão rolar no meio fio e sem bandana,
As cabeças com seus cachos e topetes...
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18/12/2016

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

O Último Baile (de Alma Welt)

                            O Último Baile da Alma - desenho de Guilherme de Faria

O Último Baile (de Alma Welt)

Todos para o Baile reunidos,
Vaidosos ostentamos nosso traje,
Jóias e adereços divertidos,
Alguns que a rigor são um ultraje...

Esperamos por ela, a Nostradamus,
Anunciada no convite inusitado
Do qual poucos de nós desconfiamos
Como de um segredo já contado.

Máscaras nos foram permitidas,
O que é bom para disfarçar a palidez
Pois à meia noite, com as batidas,

Desconfio que por terra cairemos,
Alguns quase divinos, outros demos,
Todos terminaremos de uma vez...

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13/12/2016

terça-feira, 18 de outubro de 2016

A corrente (de Alma Welt)

Pode alguém dizer que a vida é triste
E o mundo um Vale de Tormentos.
Há sempre alguém com o dedo em riste
Apontando os ajoelhados ou mais lentos

Que não conseguem carregar a sua cruz
Sem exaustos se apoiarem no vizinho
Que livrou-se da corrente e o capuz
E já estava a caminhar solto e sozinho...

Ouçam os gritos, os lamentos e o chicote!
Sou só eu que os escuto dia e noite?
São espectros que não sentem o açoite?

Báh! Alma, que caminhas solitária
E que nunca trocarias a tua sorte,
Para ser um da corrente, e não um pária!...

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17/10/2016

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Não há fogo do Inferno (de Alma Welt)

Não há fogo do Inferno, disse o papa.
Báh! Como se engana o pobre homem!
As chamas tão temidas às vezes somem
Mas o céu mais amiúde nos escapa...

Pisamos sempre sobre um mar de chamas
E não me refiro às lavas do basalto
Nem aos medos sob nossas camas,
Nem às leis que jogamos para o alto.

Mas ao puro terror de nossa morte
Como uma ameaça permanente,
Dados cegos jogando nossa sorte...

Como num jogo de cartas marcadas
Deus, dono do cassino e oponente,
Ganhando sempre, e soltando baforadas...

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16/10/2016

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

A gargalhada (de Alma Welt)

É preciso muita garra para viver
E não nos arrastar feito mulambo;
A vida não é ensaio, é pra valer,
Pare de chorar e dance o mambo.

Não se lamente, se não for em latim,
Que dá dignidade ao sofrimento,
Ou então ritualize teu lamento
Gritando como o grego: Ai de mim!

Quê queres? Isso aqui não é um parque!
Há quem diga que das lágrimas é o Vale
E de desgraças ele todo o rol abarque...

É melhor dar num velório a gargalhada
Gritando em italiano: "Meno male!
Pois logo será eterna a tua risada...

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04/10/2016

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Posteridade (de Alma Welt)

Há poetas que brincam com palavras
E com eles às vezes me divirto,
E não nego o valor de suas lavras,
Mas disso eu mesmo me advirto,

Não estou pra brincadeiras, isto é sério,
A vida é uma tragédia anunciada:
Acaba em cinzas ou então no cemitério
E fora o mito não nos sobra nada.

A grande arte compensação retarda,
Posteridade é só o que interessa
Desde que pra sempre a chama arda.

O que queres,falso artista? Viver bem?
A vida é sedução, falsa promessa,
Mas a arte ilumina desde o Além...

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17/08/2016

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Retrato da Moira (de Alma Welt)


Alguém estará pronto para a morte?
Não creio... a Moira vem de fora,
É estrangeira, percebemos por seu porte,
É pálida, altiva, e jamais cora.

Muito solene no seu manto negro,
Um ar meio assim de juiz togado,
Impoluto, sério e muito íntegro,
Não esconde o seu rosto descarnado.

Seremos todos levados deste aqui
Para um outro país de dor e treva
Que nem mesmo em pesadelo jamais vi.

Eis a sina do vivente, bem sabemos,
Mas pensamos ficar pra outra leva,
Quem sabe pra semente então fiquemos...

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O Grande Baile (de Alma Welt)


               

O Grande Baile (de Alma Welt)

A Morte vai nos convidar à sua dança
Conforme um cotillon, a sua lista
Com o número de nossa contradança,
E sua escolha, por tradição, é mista...

Vejam como dançam a grande valsa
Cada um dos convidados de Madame!
Quanta honra e que emoção então nos alça
Rodando nessa ópera de arame!

Mas não podemos negar nossa impressão
De que essa valsa contém um tom sinistro
E um arrepio percorre a multidão...

Me permita, então, Madame, declinar
E passo minha vez ao teu ministro,
Que a maquiagem preciso retocar...

sexta-feira, 24 de maio de 2013

A Morte ri (de Alma Welt)


Joguemos com a vida limpo e sério
Mas não esqueçamos riso e humor.
A morte ser risonha é um mistério
Pois seu riso branco é seu pendor

Porque gosta de dançar e de tocar

Seu violino de timbre aciganado
Com arpejos qual faíscas ao luar,
A foice descansando ali ao lado.

Mas se eu puder responder ao riso dela
Só lhes peço que me abram a janela
Naquela hora mesma de ir embora.

Então cantemos, dancemos e riamos
Até o dia raiar em nova aurora
Porque de todo jeito nós nos vamos...

terça-feira, 21 de maio de 2013

Encontro com a Moira (II) (de Alma Welt)

 
pintura de Guilherme de Faria
 
 
Encontro com a Moira (II) (de Alma Welt)
 
E então me levantei diante da Morte...
Disse: “Ó Moira, espera, não me leves!
Assim não te trarei um grande aporte,
Nem sequer escrevi meu “Vita Brevis”!

“Dá-me mais tempo, Rainha dos escuros,
Para fechar o meu Diário e despedir-me
De todos os que amei por serem puros
E que preciso beijar antes de ir-me...”

“Dá-me um mãozinha com esta lenha.
Por isto só, chamei, meio no impulso,
Uma pequena ajuda que me venha.”

“Vê como estou forte e ainda nova!
Sou pálida mas ainda tenho pulso,
Qualquer paixão me diverte e me renova!”

sábado, 16 de março de 2013

A Morte no Cavalo Pálido (de Alma Welt)






     
          Death on a Pale Horse - Albert Pinkham Ryder (american, 1847 – 1917)

A Morte no Cavalo Pálido (de Alma Welt)
 (para Albert Pinkham Ryder)

Lá vem o cavaleiro mais esquálido,
Aquele descarnado e com a foice,
Galopando no seu cavalo pálido,
A serpente muito perto do seu coice.

O céu é tenebroso, isto é receita
Para alguma pobre alma ser colhida
E uma vida ser ceifada na colheita
No mais das vezes bem desprevenida.

Há quem diga que a vida é prazerosa
E que não devemos olhar o lado escuro
Deixando pra poesia ou para a prosa

Nas estórias de serão de cuia e bomba
Na coxilha tomando o mate puro
Para depois dormir como uma pomba...

sábado, 9 de março de 2013

Ela (de Alma Welt)


O  lenhador e a Morte- ilustração para a fábula de La Fontaine
 
Ela (de Alma Welt)

A ela os governantes sucumbiram
E os reis, os maiores, destronados
Perderam suas cabeças, como viram
Na primeira fila os deserdados.

As mais belas cortesãs, até rainhas
Com os seus brancos pescoços perfumados
Perderam o sorriso e as covinhas.
Que digo? A cabeça e seus penteados...

Também o pobre a conhece muito bem,
Diante dela se cala e também muda,
Que, igualitária, a todos ela vem.

O lenhador ao defrontá-la disfarçou,
Mudou o pedido de sua ajuda
E quis mão só com a lenha que lenhou...
 

quinta-feira, 7 de março de 2013

A Última Dança (de Alma Welt)




                     A Dança da Morte - xilogravura de Alfred Rethel

A Última Dança (de Alma Welt)

Estamos à mercê dos oito ventos
E conforme seu sopro, tal destino.
Os dias, meses e anos, muito lentos,
E a caveira tocando o violino...

Nada faz muito sentido na verdade,
E precisamos criar uma mais pura,
Pra além de encontrar cara-metade
Ou quebrar a nossa cara na procura.

A Moira virtuose se concentra,
Pisicatos e arpejos primorosos
Enquanto a festa nossa, vã, adentra.

Façamos, pois, dos dias, ramalhetes
Para ofertar além dos nossos ossos
Que chacoalham em fios de molinetes...


domingo, 24 de fevereiro de 2013

O Cavaleiro (de Alma Welt)




 
O Cavaleiro (de Alma Welt)

Lá vem o cavaleiro pela estrada
Embuçado e negro como a noite
Seu cavalo magro é uma ossada,
Do alfanje é raro quem se acoite.

Eu já o vi outras vezes na coxilha
E nunca deixarei de arrepiar-me
Pois se nenhum vivente é uma ilha
Não tardará tampouco a abordar-me.

Nas noites pampianas já não ouso
Fazer o meu mateio de bivaque
Ouvindo as lendas do casal famoso

Pois os gáltchos daqui também o viram,
Evitam pôr seus vultos em destaque
E os sinos que dobram "nunca ouviram"...
 

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Os Títeres de Deus (de Alma Welt)


A maior pantomima deste mundo
É a última encenada pela Arte
Mesmo que aborde o lado imundo
Que é da beleza a contraparte.

Vida e Morte, o belo e o feio,
A carne pelos vermes devorada
E a caveira gargalhando lá no meio,
Apavorando e nunca apavorada...

Nossa estranha armação de cálcio feita
Tem um toque de humor feito fantoche
Que anda com tremores de maleita.

Mas Deus, nosso grande titereiro,
Ama o seu teatrinho de deboche,
E penso ri também tremendo inteiro...

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Protesto (de Alma Welt)



Sejamos livres, francos e sinceros:
A vida está malfeita, é o que digo...
Morrer é um festival de desesperos
E vivemos sob um sórdido perigo.


Projetamos os deuses imortais
Somente por serem nossa imagem
Mas nos nossos termos ideais,
O que não é simples bobagem,

Mas do nosso antigo vão protesto
Contra a mortalidade é uma prova,
Pois o fim estraga todo o resto.

Ser pasto de vermes é um assombro
Que Deus jogou no nosso ombro
Com a tal perspectiva de uma cova...

Pacto (de Alma Welt)


Para viver, um pacto selamos
Com a Morte que vive a nos seguir
Aonde quer que porventura vamos,
Desde o nascedouro até o porvir,

Que este na verdade presumimos
Pois não sabemos da Moira a natureza,
Se é bela depois que a assumimos
Como as amadas revelam sua beleza...

Mas a julgar pelo seu vale das sombras
Com as nossas carcaças alvadias
A clamar sob a terra e suas alfombras,

Com seus dentes cerrados mas em riso
E as órbitas atônitas, vazias,
Creio que vamos ficar no prejuízo...

sexta-feira, 18 de maio de 2012

O Eterno Cavaleiro (de Alma Welt)

                                        O Eterno Cavaleiro - litografia de Guilherme de Faria 1977, 75x100cm

O Eterno Cavaleiro (de Alma Welt)

Sobre milhões de carcaças semeadas
Em plena pradaria, ao horizonte,
Cavalga o cavaleiro das ossadas
Com a foice que seca toda fonte

Da vida, da alegria e dos planos
Do humano em sua ingenuidade,
Que vive, luta e sofre desenganos
Sem perder do sonho a veleidade...

Que imensa hecatombe desde então
Quando o homem pisou fora do Jardim
Pela sua inconformada compulsão!

Quando afinal irá a terra se fartar
Do banho morno sobre os leitos de marfim,
Deixando o próprio Cavaleiro descansar?

A Cavalgada (de Alma Welt)

A Cavalgada - desenho de Guilherme de Faria, 1962  

 A Cavalgada (de Alma Welt)

Aqui, de noite começa a cavalgada,
A vejo, silhuetas contra a lua,
Grotesco cavaleiro, bruxa nua,
Feiticeiras e demônios da calada...

“Como podes, Alma, com isso conviver,
Tu, que o lado escuro abominas,
Se a tua alma arriscas só de ver
Essas sombras que emergem das ravinas?”

Minha alma é pura, nada temo
E a luz, Senhor, eu a amo, bem sabeis,
Negócios jamais tenho com o Demo.

Mas curiosa e temerária me fizestes
E posso me orgulhar perante os reis,
Que a força dos humildes já me destes...

sábado, 28 de abril de 2012

Carregando um burro morto (de Alma Welt)















Carregando um burro morto - gravura (água-forte) de Guilherme de Faria, 1962 


Carregando um burro morto (de Alma Welt)
Eu via uma pobre alma penada
Arrastando a carcaça de um burro
Em plena noite negra numa estrada
E então lhe perguntava num sussurro:


“O que farás agora com estes restos,

Que aos homens todos abomina
Não só pelo macabro e os insetos
Mas pela insuportável fedentina?”
E ouvi aquela sombra torturada
Responder em tom grave e absorto
Que aí me pôs a alma amedrontada:


“Não sabes que a cada um que é vivo
Caberá carregar seu burro morto?
E ai de quem do Fiscal burlar o crivo!”

Quiromancia (de Alma Welt)














Quiromancia - gravura (água-forte)
 de Guilherme de Faria 1962

Quiromancia (de Alma Welt)

“Eu vejo a tua morte” disse a ave
Observando a palma do guerreiro
Conquanto houvesse um certo entrave
Na escassez de carne nele inteiro.

“Assim retornarás à tua morada,
Onde estão tua mãe, teu pai e irmãos
A prantear teus restos, tua ossada
Toda de armadura exceto as mãos.”

“Tu que acalentavas um futuro
Farás agora façanhas obscuras
Que certamente te deixarão mais puro,”

“Pois aos homens cabe nova temporada
Muito mais longa em suas ossaturas
Tão brancas e risonhas como o Nada...”
 

sábado, 30 de abril de 2011

A Festa (de Alma Welt)

Não levantei o punho contra o céu
Por saber meu prazo já tão curto
Ao tirar dos olhos denso véu
Sem a frágil mente entrar em surto.

Mas se muito chorei já não o faço
E os dias que me restam desafio
Com as boas rimas e o compasso
Conhecidos canais do desvario

Que ora ponho a serviço de mim mesma
Como meio de dobrar o que me resta,
Dupla vida para a pródiga abantesma

Que há de para sempre aqui ficar
Entre os que jamais deixam a festa
Do casarão e da vinha em pleno ar...

(sem data)

A Visita de Lady Bones (de Alma Welt)

                                                                  Lady Bones

A Visita de Lady Bones (de Alma Welt)

Pressinto que está chegando ao fim
Conquanto ainda tão cheia de vida.
Matilde diz que isso está em mim,
Que vivo pensando em sua partida,

Pois a nossa visitante, Lady Bones,
Gringa velha que hospedamos há um mês
Não é dada a flautas nem trombones,
Mas afável e gentil como uma rês.

Quanto a mim, considero bem sinistra
A insistência em ir comigo ao poço
E como sua dieta administra,

Sem almoço, nem café nem chimarrão,
Não admira que esteja pele e osso
E que ao recolher-se acene a mão...

03/01/2007

domingo, 22 de agosto de 2010

A Coruja (de Alma Welt)


 
A Coruja (de Alma Welt)

Longe canta a coruja, num cupim
E sou a única aqui a dar-lhe crédito
Como se dissesse só pra mim:
“Alma, não figuras neste édito,”

“Mas se queres minhas asas lhe darei,
Que são silenciosas por demais,
Passarás despercebida do meu rei
E quem sabe poderás voltar atrás.”

“Irás rever teu Vati e a Açoriana,
E ouvirás de novo da avó Frida
A casquinada pouco franciscana,”

“E agradecer ao teu avô Joachim,
Que saudoso da neta tão querida
Esta noite te recomendou a mim...”

14/01/2007

O Cordão (de Alma Welt)


Dança Macabra (detalhe)- desenho de Guilherme de Faria, de 1962

O Cordão (de Alma Welt)

Vejam na lombada da colina
O cordão trágico e dançante
Puxado pela silhueta fina
Da Moira descarnada, triunfante!

Dancem, ó dancem, infelizes!
Talvez façam a alegria retornar
No último instante nuns deslizes
Da megera que a vocês quer ensinar...

Já a onça bebeu água no riacho,
A porca o seu rabicó torceu,
A hora já chegou, fatal, eu acho.

Então dancem, que aí logo estarei,
Mas num solo (foi o que me prometeu)
Nesse palco da coxilha do meu rei...

(sem data)

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Encontro com a Moira (de Alma Welt)

Estar em sintonia com a beleza
E ao ritmo fluindo de um adágio
Escolhido como som da Natureza,
Longe de conflito e de presságio,

Era só o que eu queria e esperava
Antes de encontrar-me com a Moira,
Surgida como dama fria e loira
Quando eu nestes prados passeava,

Que ao fitar-me quase me abismou
Enquanto me dizia em voz soturna:
“Alma cara, o seu tempo se esgotou...”

“Se tanto te esperei, não desesperes
Que não serei pra ti sombra noturna
Mas abraço de irmã, se assim preferes...”

17/01/2007

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O bobo na colina (de Ama Welt)

Longe dança o bobo, de contente,
E o vejo e aos outros na colina
Em silhueta no cenário do poente
A que meu ser no âmago declina.

Meu coração rejeita esse cordão
De desgraçados e teme o que ilude
Nessa dança macabra de roldão
De que fugi até agora como pude.

Sei bem quem é o tal bobo sinistro
Disfarçado de coringa esfuziante
E que na falsa dança segue adiante

Envolvente como um sutil jogral,
Mas que é o ardiloso e vil ministro
Do rei que nos quer o bem e o mal...

08/01/2007

O cavaleiro (de Alma Welt)

Quando guria eu andava pelo prado
A colher flores do campo, já contei,
Mas algo aqui eu nunca revelei
Que é como encontrei-me com meu Fado.

No meio da extensa pradaria
Vinha vindo o cavaleiro embuçado,
Até que ao deter a montaria
Pude sentir-lhe o hálito gelado:

"Alma, continua a colher flores,
Já que tens o dom da arte e da poesia,
Mas não terás sossêgo nos amores."

"Com convivas, trinta e cinco, e uma vela,
Espera-me à mesa, eu volto um dia
Pra levar-te, prenda minha, nesta sela".


02/01/2007

A Ilha dos Mortos de Boecklin (de Alma Welt)


A Ilha dos Mortos - de Arnold Böcklin

A Ilha dos Mortos de Böcklin (de Alma Welt)

Não pare de remar, ó meu barqueiro!
Faça jus à soma que lhe pago,
Não hesite perante o nevoeiro
Que já desce saudando o que aqui trago.

Ajude-me também co’este caixão
Pois sozinha não poderei plantá-lo
Num nicho desta ilha em solidão
Com somente minha dor a acompanhá-lo.

Ilha Fatal, eis que sou tripla refém,
De pé na proa, como tu a me alçar
Das águas que ousei atravessar

Desse Letes obscuro em que vogamos,
Com meu próprio caixão que me contém,
Nós três: um só, no barco que remamos...


18/01/2007

RIP* (de Alma Welt)

Vem por aqui, Galdério, logo à frente
Vou te mostrar o que encontrei:
Uma cruz estranha que nem sei
Se é cristã ou coisa diferente.

Vê, gravada nesta laje, aqui, assim,
Algo muito gasto está escrito.
Será o túmulo violado e proscrito
Do antigo estancieiro Valentim?

RIP está gravado e se percebe,
O resto é posterior, mal redigido,
E suponho por alguém que ainda bebe

O vinagre do que, mal digerido,
Não sei, Galdério, mas o sinto,
Deixou seu travo em nosso vinho tinto.


(sem data)

A Usurpadora (de Alma Welt)


Da série Dança Macabra- xilogravura de Alfred Rethel


A Usurpadora (de Alma Welt)

Após a queda, retorno ao casarão,
Que andara pelo mundo, peregrina
Em busca de algo numa esquina
Que mesmo aqui estava, neste chão.

De meu feudo a Morte me expulsara,
Não me queria aqui sem o meu Vati.
Da Infanta destronada se livrara,
Que me tornara amarga como o mate...

A Usurpadora lágrimas não quer,
Um pé lá, outro na vida, qual anfíbia,
Mas na macabra orgia é só mulher,

Devassa, sinistra e falsa amável,
A vi tocar um violino numa tíbia
Na sala do defunto inigualável...


10/06/2005

Angústia (de Alma Welt)

É difícil desfrutar da juventude
Quando se tem aguda a consciência,
Não de deveres, que isso até eu pude,
Mas da finitude da existência,

Que é a razão de toda angústia
Que persegue o homem racional
E o fez criar consumos e indústria,
Como faz uivar em nós o animal.

Eis o mistério, como eu sinto,
Em que nos debatemos por saber
Ou nos esquivamos por instinto,

Embora eretos, ao lado do caixão
Do que antes de nós deixou de ser,
Solenes, mão na alça, sem paixão...

(sem data)

Finitude (de Alma Welt)

Estar-se consciente é a tragédia,
Do ser-e-estar-aí diante da morte
Se pra essa lucidez além da média,
Não temos sequer um bom suporte.

A finitude de tudo é tolerável
Quando vista por nós na natureza
Pois a transformação é inefável
E produz as estações e sua grandeza.

Assim como água sobe e pura cai,
Nada se cria, também se perde nada,
Ao pó voltamos com ou sem um “ai”.

Mas suspeito que o ego e seu mistério,
Completa imagem na vida conquistada,
Antes se perde no que jaz no necrotério...

Meu plano (de Alma Welt)


       Retrato de Jomara- óleo s/ tela de Guilherme de Faria

Meu plano (de Alma Welt)

Contemplando um retrato de Jomara
Que musa fora do pintor Guilherme
E no qual o artista a morte captara
Em vida, e a que só faltava o verme

Que a esperava em breve sob a terra
Oculto e insidioso predador...
Eu, modelo vivo e diva do pintor
Resolvi poupar-me o que me aterra,

Que por meu plano justo e infalível
Hão de encontrar-me nua e bela
Sob um lago, espelho mais sensível.

E pelas instruções que dei de mim,
As chamas levarão como uma vela
Minha beleza preservada até o fim...

05/01/2007

Patética e inacabada* (de Alma Welt)

O soneto é a partitura do meu dia
E contém as notas, timbre e tom
De um andante meu na pradaria,
Dispondo se o concerto será bom.

Mas ao primeiro acorde inusitado
Regerei meu dia entre visões
E propensa a consultar o Fado,
Maestro verdadeiro... de ilusões.

Vê, o primo verso em tom saudoso
Já me arrasta em vã melancolia
Por um longo adágio de agonia...

Mas de minha sinfonia inacabada
O patético “finale maestoso”
Há de compor-se ao termo da jornada.

(sem data)

O último verso (de Alma Welt)

Quando acordo e me ponho escrever,
E eu o faço o tempo todo, compulsiva,
Eu sinto que, assim só, posso viver
Ou que assim me sinto bem mais viva.

Entre o espírito e a carne o vão conflito
Expresso em outros termos, vida e arte,
Não existe mais pra mim, pois acredito,
Só se reflete o que do espelho fizer parte.

Solitária a vagar, devaneando
E parando pra anotar um simples verso,
Encontro o meu nicho no universo.

Mas cercada de poemas e de dores,
Se no leito estiver agonizando,
Roubai-me o derradeiro aos estertores...

(sem data)

A Pergunta (de Alma Welt)

Saberei morrer, chegada a hora?
Eis a pergunta que nunca quer calar.
Somos para morte aqui e agora,
Nunca prontos e sempre a adiar.

Não estou muito certa de que a vida
Seja mesmo um projeto que deu certo
Uma vez que é menos bela que sofrida
E o final se passa sempre no deserto.

Ou então, triste, solitária e dolorida
É a nossa chegada àquele porto
Onde não há festa e sim um morto,

Que somos nós, esticados, macilentos,
Expostos como nunca nesta vida
Num falso carnaval de gestos lentos.


(sem data)

A suspeita (de Alma Welt)

Vivo desperta o sonho desta vida
Só possível ao grato coração
Conquanto a inquietação contida
Tenha o timbre da dor e da paixão

E um pesadelo oculto me acompanhe
Cada copo de vinho esvaziado
E mesmo a bela taça de champanhe
A saudar um novo cume conquistado.

Pois a contraparte percebida
É a terrível ameaça que perdura
Na suspeita do nadir da criatura.

Pois se a psique é alma e nos constrói,
Que será de nós se ela é perdida
Na poeira e no verme que nos rói?

(sem data)

O que me disse a cigana (de Alma Welt)

Um dia voltando do meu bosque
Onde fora colher belas amoras
Eu vi uma espécie de quiosque
E ciganos a dançar as suas horas.

Pensei:"vou ofertar-lhes o que aqui tenho,
E juntar-me a eles por minutos..."
Ah! por quê é que não contenho
Esta sede de espalhar todos os frutos?

Pois logo uma delas veio a mim
E afoita agarrando a minha mão
Me levou para atrás de um carroção

E com estranho olhar me disse assim:
"A *Moira vê, te cobiça, e eu cuidaria,
Porquanto jorras tanta e tal poesia!"

08/01/2007

Canção sinistra (de Alma Welt)


The magpie on the gallows- de Pieter Bruegel

Canção sinistra (de Alma Welt)

Chegamos ao fim, não tem mais jeito,
O mundo se acabou e já o vemos,
O Mal é burgomestre ou o prefeito,
O caos se instalou e é o que temos.

Corram, corram, amigos desta aldeia
Aí vêm do tirano os quatro esbirros,
Foices já não brilham, e a cara feia,
Respingadas pelo sangue dos espirros.

Um corvo ali crocita no patíbulo
Mas a madrugada ainda teremos,
Vamos todos juntos ao prostíbulo.

Dancemos, cantemos e bebamos
A manhã por certo não veremos.
Ah! A vida foi tão breve e já nos vamos...

17/01/2007

Tempestade (de Alma Welt)


Tempestade -óleo s/ tela de Guilherme de Faria

Tempestade (de Alma Welt)

Vê: o céu se adensa e escurece,
Procelárias se agitam sobre a face
Que se ergue na mais sinistra prece
Prevendo o iminente desenlace.

O mar se turva e mais se encrespa
E as ondas lançam brados de loucura
Enquanto um ribombo força a fresta
De um teto de chumbo sem pintura.

Então o caos se instala e ai de nós
Neste pequenino barco rubro
Que não passa de vã casca de noz

À deriva, a medo, e sem poesia,
Se o vórtice indigesto de um tubo
Nos devora em ânsias de agonia...

14/09/2006